SÍNDROME DA PERDA DA FLUÊNCIA VERBAL

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Você já se percebeu em uma conversa com dificuldade de comunicar o que está pensando? Eu tenho me visto várias vezes nessa situação há algum tempo. Concluí que estou sofrendo do que chamo de "síndrome da perda da fluência verbal", o que acredito ser o primeiro passo para virar uma eremita.
São anos trabalhando em casa, cuidando dos filhos e da rotina da casa, numa corrida alucinante para cumprir a demanda diária e assim acabei me afastando das relações humanas. Sim, não é só a tecnologia que afasta as pessoas; viver apenas no mundo das tarefas a cumprir também extingue o contato pessoal.
Sinto falta de estar com amigos, pessoas da minha faixa etária, conversando sobre qualquer coisa, dando risada, mas minha fluência para isso está muito enferrujada. Se alguém começa a falar sobre a viagem que fez não sei nem o que perguntar. Me falta vocabulário para dizer qualquer coisa que seja diferente de: "É legal para crianças esse lugar?", "É seguro?", "O ambiente é....familiar?" Puts, que pergunta mais ridícula; quanta falta de imaginação e senso de diversão.
Continuo ouvindo sobre o lugar maravilhoso, a gastronomia e cultura locais e começo a gaguejar na tentativa de perguntar algo que sinto, mas não passa pela minha cabeça para expressar. Poderia perguntar algo como: "Qual a cidade mais bonita que conheceu?", "Fez novas amizades?" Mas o meu gaguejar só deixa sair: Legal!
Os relatos seguem, agora um pouco menos empolgados, afinal eu estou parecendo uma ouvinte desinteressada, mas não, quero dizer que estou interessada até demais! Tão interessada que já entrei em estado de flutuação mental, onde tudo que estou ouvindo é tão fascinante que parece ser de outro mundo. Meus pensamentos não acompanham e não tenho mais o que perguntar sobre tal experiência tão fora da minha realidade; não pensei que existisse vida além das tarefas do dia a dia. Nesse ponto, o "palestrante" já desistiu de mim, me classificando como a mais desinteressada ouvinte e eu fico ali, sozinha, me sentindo a pessoa com menos empatia do mundo.
Em outros momentos quero tanto falar com alguém que abro mão da facilidade e do conforto da internet para ligar e perguntar se meu email foi recebido. Do outro lado a voz responde com pura indignação e deixa claro numa fala "empastada" que está atarefada e não tem tempo de falar ao telefone. Acho que é assim que também atendo a quem me liga: "Oi, Ah, Hum hum, claro, pode falar (pensamentos nesse momento: puts, tem que ligar agora, porque não manda email?) Sim, recebemos o que doamos...

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Tem tanta conversa dentro de mim, como não consigo comunicar? Não encontro palavras para falar; só as mesmas de sempre: "meu filho isso", "meu filho aquilo", "o mercado", "a roupa suja"....
E o restante vai ficando tão pressurizado lá dentro que, às vezes, quando encontro alguém, começo a falar desesperadamente. Emendo um assunto no outro, antes mesmo de terminar o anterior, de repente me sinto até tonta de tanto que estou falando e vejo a pessoa a minha frente revirando os olhos, coitada, está tendo uma convulsão silenciosa. Então disfarço envergonhada, vou buscar uma água para o ouvinte voltar a si e tento agora escutar no lugar de falar, fingindo que é a coisa mais normal do mundo um ser humano falar 232 palavras por segundo.

Como assim, sem fala? Logo eu, que desde criança sempre gostei de falar e de estar com quem gosto, mesmo tendo como sagrado momentos no silêncio profundo dos pensamentos, somente na companhia de mim mesma.
Não, chega! Decidi que vou me curar ao estilo do AA: uma frase de cada vez. Uma vez por dia vou ligar ao invés de mandar email, mesmo correndo o risco de não ter o email como prova da conversa. Uma vez por semana vou conversar com alguém sem utilizar os aplicativos de mensagens do celular. E uma vez por mês vou comer uma pizza em casa, regada por uma boa conversa de alguém querido. Esse plano de ação já é um bom começo para minha cura antes que eu vire um caramujo.
E, me livrando da síndrome da perda da fluência verbal, creio que conseguirei até escrever mais, como antes, já que a síndrome tem me dificultado colocar no papel as palavras trancadas em mim. 

Comentários

  1. Adorei! Me identifiquei muito com a parte da diarréia verbal. As vezes posso por isso e nem é por trabalhar ouvindo muito, é o desejo da comunicação, de participar do grupo e do desespero de ter meu lugar na conversa. AA para todos nós!

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  2. Muito bom seu texto Paloma. Parabéns.

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